SOLIDARIEDADE X INDIVIDUALISMO: O UBUNTU AFRICANO A LUZ DA VISÃO BÍBLICA DE RELAÇÕES HUMANAS SOLIDÁRIAS
Por Charles Santos
Ao ler o livro da Drª Elizabeth Mburu, Hermenêutica Africana: Contribuições da Riqueza Intelectual e Cultural da África Para o Entendimento da Fé Cristã[i], deparei-me novamente com a reflexão sobre o individualismo presente nas sociedades ocidentais em contraponto com a visão de mundo comunitária das sociedades africanas. Isso me fez recorda sobre um episódio há cerca de 11 anos quando eu recém-chegado em Moçambique, tentei explicar para um pastor nativo sobre a ideia ocidental de ficar sozinho e de não querer em determinado momentos está com pessoas ou receber visitas. Recordo que ele olhou fixamente para mim e disse após meus argumentos: “Xi[ii], vocês ocidentais são estranhos, pois passam mais tempo se relacionando com máquinas do que com pessoas.”
Esta foi a minha primeira interação prática com a ideia do Ubuntu africano. De acordo com a Drª Elizabeth Mburu, esta crença ou filosofia é difícil de se definir, mas sua mais básica expressão é:
“Eu sou porque somos, e dado porque somos eu sou.”[iii]
Ou seja, enquanto a maioria das sociedades ocidentais olham para o mundo a partir de suas necessidades, a solidariedade comunitária africana é um conceito extremamente forte apesar das fortes influências culturais do ocidente. Isso não significa que existe cultura inferior ou superior, mas todas as culturas trazem consigo a marca do divino e da queda e necessitam de redenção e com isso nos oportunizam o rico privilégio de aprender com o outro, valores supraculturais que são autenticados nas escrituras através de uma contextualização bíblica.
O arcebispo Desmond Tuto descreveu a filosofia Ubuntu da seguinte maneira:
Ubuntu é [...] é dizer: "Minha humanidade se alcança, inextricavelmente ligada na sua". ... Dizemos: "Uma pessoa é uma pessoa através de outras pessoas". Não é "eu penso, portanto eu sou". Mas se diz: "Eu sou humano porque pertenço. Eu participo, eu compartilho" [...] O que te desumaniza inexoravelmente me desumaniza.[iv]
Com isso podemos refletir que as escrituras priorizam um senso de solidariedade, partilha, coletivismo fraternal que está acima de espectros ideológicos partidários ou filosofias humanistas, que podem ser visualizados de forma fragmentada em diversas culturas no mundo com uma centelha das facetas da imago dei no homem e sociedades como sinal da graça comum. Como bem enfatizou Tim Keller quando falava da visão bíblica de justiça que está encarnada no senso de solidariedade e que a justiça bíblica vai além da mera legalidade; envolve amor, compaixão e busca pelo bem-estar dos outros,[v] a solidariedade bíblica é forma mais sublime e encarnacional de refletir Cristo nas relações humanas.
Uma das coisas mais belas na minha vivência com africanos é como o “nós” faz mais sentido do que o “eu” para a cosmovisão de mundo por estas bandas. Isto não significa perfeição cultural, ou isenção de aspectos nocivos para a compreensão de Deus e do mundo ao redor de si, mas ajuda na aplicação de valores bíblicos transformadores, naquilo que Richardson[vi] ilustrou como uma espécie de pontos de conexão redentivas que se conectam com a ideia de Deus se revelar através de diferentes culturas, preparando o caminho para o Evangelho.
Talvez em várias comunidades e sociedades africanas o conceito da filosofia do Ubuntu pode servir como um ponto de partida interessante para conectar pessoas com a ideia bíblica de solidariedade, comunhão acolhedora e de como tudo isso será vivido no reino presente e mais perfeitamente no reino consumado, principalmente quando nós como agentes do reino de Deus compartilhamos o evangelho nos termos de Cristo.
[i] MBURU, Elizabeth. Hermenêutica Africana: Contribuições da Riqueza Intelectual e Cultural da África Para o Entendimento da Fé Cristã. São Paulo: Hagnos, 2023.
[ii] Nota: Em Moçambique, "xí" é uma interjeição usada para expressar surpresa, admiração, ou até mesmo um pouco de indignação. É um pouco como "oh", "uf", ou "caramba" em português.
[iii] MBURU, Elizabeth. Hermenêutica Africana: Contribuições da Riqueza Intelectual e Cultural da África Para o Entendimento da Fé Cristã. São Paulo: Hagnos, 2023, p.54.
[iv] TUTU, Desmond. No Future Without Forgiveness. New York: Doubleday, 1999, p.31.
[v] KELLER, Tim. Justiça generosa: A graça de Deus e a justiça social. São Paulo: Vida Nova, 2013.
[vi] RICHARDSON, Don. Fator Melquisedeque: O testemunho de Deus nas culturas por todo o mundo. São Paulo: Vida Nova, 2008.
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